15 e 16/11/2014

DIÁRIO CATARINENSE

Cerco às grandes empreiteiras
A Polícia Federal decretou ontem a prisão de 27 pessoas, entre as quais a de presidentes de cinco construtoras e a do ex-diretor de Serviços da Petrobras
O escândalo da Petrobras chegou ao seu ápice ontem com o cerco da Polícia Federal (PF) aos executivos das maiores empreiteiras do país. A ação da PF integra a sétima fase da Operação Lava-Jato, iniciada em março deste ano, que investiga esquema de lavagem e desvios de dinheiro.
Entre os que tiveram a prisão preventiva ou temporária decretada pela Justiça Federal, a pedido da PF, estão o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque – apontado por procuradores e policiais como o principal operador do PT nos desvios da estatal – e presidentes de cinco companhias: OAS, Camargo Corrêa, Iesa Óleo e Gás, UTC e Construtora Queiroz Galvão.
As empreiteiras, juntas com as outras envolvidas, têm contratos que somam R$ 59 bilhões com a Petrobras, considerando o período de 2003 a 2014. Segundo as investigações, parte desses contratos se destinava a “esquentar” o dinheiro que irrigava o caixa de políticos e campanhas eleitorais no país.
A PF cumpriu mandados de busca e apreensão (num total de 49) na Camargo Corrêa, OAS, Odebrecht, UTC, Queiroz Galvão, Engevix, Mendes Júnior, Galvão Engenharia e Iesa. Foram bloqueados R$ 720 milhões dos executivos investigados, até o limite de R$ 20 milhões por pessoa.
Ao todo, foram emitidos mandados de prisões preventivas e temporárias contra 27 pessoas, das quais 18 haviam sido cumpridos na manhã de ontem, e nove de condução coercitiva – quando a pessoa é levada para prestar depoimento obrigatoriamente –, dos quais seis já foram feitos. Os presos foram levados ontem à noite para Curitiba, onde correm as investigações.
Foram presos, entre outros, os presidente da OAS, José Aldemário Pinheiro Filho, da UTC, Ricardo Pessoa, e da Queiroz Galvão, Ildefonso Collares Filho, além do vice da Engevix, Gerson Almada. Até o início da noite, a polícia tentava negociar a entrega do vice-presidente da Mendes Júnior, Sérgio Cunha Mendes.
O presidente da Engevix, Cristiano Kok, foi conduzido coercitivamente para depor na PF em São Paulo. Ele, no entanto, preferiu ficar em silêncio e foi liberado. A Justiça também decretou a prisão de um integrante do conselho de administração da Camargo Corrêa, João Auler, e do vice-presidente da empreiteira, Eduardo Leite. Os dois executivos eram o contato de Alberto Youssef dentro da empresa, segundo depoimento à Justiça do próprio doleiro. Newton Prado Júnior, diretor técnico da empresa Engevix, foi preso no aeroporto de Recife.

Fraudes assombram licitações
Ave de Rapina, Fundo do Poço, Trato Feito e Tapete Negro escancararam a fragilidade das licitações nas administrações de Santa Catarina. Na prática, políticos, servidores públicos, deputados, vereadores e empresários negociaram para burlar concorrências em troca de propina. Especialista garante que burocracia facilita a corrupção nos órgãos públicos.
A Operação Ave de Rapina, deflagrada na última semana em Florianópolis, está prestes a esclarecer mais um exemplo de corrupção envolvendo servidores públicos e empresários em esquema de fraudes em licitação e pagamento de propina. A prática, no entanto, está longe de ser nova. Chega mesmo a ser recorrente: é o crime central investigado em outros três inquéritos realizados em Santa Catarina nos dois últimos anos. As operações Tapete Negro (Blumenau), Fundo do Poço (Florianópolis e Oeste) e Trato Feito (Balneário Camboriú) também acusaram conexões suspeitas.
Esse tipo de crime gira em torno de um eixo simples: quando a administração pública abre licitação para prestação de serviços, algumas empresas já sabem previamente qual será a vitoriosa, combinando entre si qual delas fará a proposta mais barata ao poder Executivo. Estes acertos se dão com troca de dinheiro proveniente dos cofres públicos, adquirido como pagamento pelo serviço prestado. Em muitos casos, a prática é apoiada por políticos e servidores públicos, que vazam informações (prazos e média de custos), dificultam a divulgação e estabelecem os parâmetros contratuais para favorecer tais empresas.
Os promotores de Justiça têm agido mais contra essas irregularidades. Levantamento do Ministério Público de SC (MP-SC) mostra que as investigações, ações, procedimentos e denúncias oferecidos ao Judiciário envolvendo a moralidade administrativa estão em crescimento em SC. Apenas em 2013 foram abertos 5,4 mil procedimentos de investigação na moralidade administrativa (veja quadro ao lado).
– É preciso nos diferenciarmos nos mecanismos de fiscalização e as instituições aprimorarem os controles internos – opina o promotor Gustavo Mereles Ruiz Diaz, que atua na Moralidade Pública em Blumenau.
Flagras são ao telefone
Os três principais métodos utilizados pela polícia (Civil ou Federal) para averiguar as fraudes são quebra de sigilo bancário, vigilância com registro de foto e vídeo e ligações telefônicas (veja exemplos das operações anteriores acima). Mas os suspeitos, atentos às interceptações, cada vez usam menos os telefones nas tratativas.
Essa foi uma das dificuldades enfrentadas pelo delegado federal Allan Dias, que comanda o inquérito Operação Ave de Rapina. Mas também há mais mecanismos de denúncia e fiscalização, como a Lei da Transparência e a Lei Anticorrupção, em vigor há seis meses e que também aperta o cerco às empresas e não apenas aos servidores públicos. A diretora-executiva do Observatório Social do Brasil, Roni Enara, acredita que a fiscalização deve partir dos cidadãos.
– Tá , e qual é o valor que vocês tão entrando?
– Eu tenho quatro propostas. Uma de 29, aquela para rasgar o baxero (referindo-se à proposta mais baixa), outra de 30 e pouco, outra de 43 e um 42 e outra de valor cheio, que deve ser uns 45.
Conforme descrição do Gaeco, dia 10 de julho de 2013, às 20h22min, representante de uma empresa fala com um concorrente ao telefone.
– Ô, agora vamo conversar uma coisa, tá? Tu não me consegue mais dois orçamentos que não seja de vocês? Daí tem que ser mais alto que o de vocês.
Segundo o Gaeco, na gravação do dia 20 de julho de 2012, às 11h02min, a responsável pelo setor de compras de um órgão municipal pede para uma representante de uma mecânica prestadora de serviços novos orçamentos.
– O presentinho dele é sempre mil reais.
– Ele vai pra disputa, ele me deu os valores da proposta dele, eu fiz a propostinha direitinho, entendeu?
A ligação do dia 24 de maio de 2014 interceptada pelo Gaeco mostra um integrante da Comissão de Licitação de uma prefeitura e um funcionário de uma distribuidora comprovam direcionamento de licitações, segundo o Ministério Público.

VISOR

Acordo fechado
Desembargador Jaime Ramos, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, reúne a partir de amanhã magistrados que atuam nos Juizados Especiais por todo o Estado. Em pauta, a otimização dos trabalhos para, entre outros objetivos, dar conta da Meta 3 do CNJ, definida ainda nesta semana durante o 8o Encontro Nacional do Judiciário, que busca aumentar os casos solucionados por conciliação.

MOACIR PEREIRA

Operações devem forçar mudança nas licitações
Os impactos políticos da Operação Ave de Rapina devem chegar aos lugares mais inesperados. Por exemplo, a reforma administrativa prometida pelo governador Raimundo Colombo (PSD) para seu segundo mandato. Claro que a relação não é direta, mas o efeito psicológico de mais uma ação policial para desmantelar esquemas de corrupção enraizados em licitações públicas tem tudo para fazer o governador endossar uma das propostas que estão em sua mesa: criar uma comissão externa para analisar todas as licitações do Estado.
A ideia é reunir engenheiros do CREA-SC, advogados da OAB-SC, além de técnicos do Tribunal de Contas do Estado e do Ministério Público de Santa Catarina, entre outras entidades da sociedade civil, para analisar projetos executivos durante os processos de licitação sem criar etapas a mais. Assim, poderiam ser reduzidas a necessidade de aditivos contratuais e a possibilidade de combinação de resultados entre empreiteiras e fornecedores – objetos não só do último escândalo da Capital, como também das operações Fundo do Poço, Trato Feito e Tapete Negro, como relembra reportagem publicada nesta edição do DC.
Colombo já demonstrou simpatia pela ideia em conversas reservadas. O grupo de secretários que formula as bases da reforma que será enviada para a Assembleia Legislativa ainda não se deteve sobre a proposta e sua normatização, o que deve acontecer nos próximos dias. A forma como a proposta será aplicada é até mais importante do que ideia.
É consenso que algo precisa ser feito para que as contratações feitas pelo poder público deixam alimentar esquemas que costumar servir, em última análise, para perpetuar grupos no próprio poder público. Mas também é certo que apenas a criação de regras não extingue a corrupção. De boas intenções, a Lei 8.666, que regulamenta as licitações no país, está cheia.

SITE TJ/SC

TJ entende que imposto de renda não incide sobre indenização por danos morais
Verbas recebidas por conta de indenizações por danos morais não sofrem incidência do imposto de renda. Com base nesta premissa, a 1ª Câmara Civil do TJ acolheu recurso de um cidadão contra sentença que homologou acordo entre ele a empresa que lhe empregava, mas fez incidir IR sobre o valor ajustado.
O desembargador Sebastião César Evangelista, relator da apelação, destacou que a verba em questão limita-se a recompor o patrimônio imaterial da vítima lesada e não representa riqueza nova capaz de caracterizar o acréscimo patrimonial que justifique a incidência do tributo.
O autor ajuizou ação de indenização por danos morais, materiais e estéticos contra seu empregador – um restaurante – em virtude de agressão que sofreu no estabelecimento. O juiz concedeu a verba imaterial no valor de 50 salários mínimos, mais quantia necessária para a reparação do dano estético, já confirmados pela mesma câmara.
As partes acertaram a quantia de R$40 mil, em composição extrajudicial, sem incidência do tributo. Ao homologar o acordo, contudo, o juiz ressalvou a necessidade de desconto do imposto de renda. A câmara concluiu que houve equívoco na determinação do desconto do imposto, pois o Código Tributário Nacional declara que o fato gerador do IR é uma “aquisição econômica ou jurídica decorrente de lucro”.
Porém, as verbas indenizatórias deste processo têm finalidade específica de reparar perdas e danos, sem acréscimo patrimonial proveniente de riqueza nova. “Na verdade, tais valores visam retornar ao status quo ante ao evento danoso”, acrescentou Evangelista. A decisão foi unânime (Apelação Cível n. 2010.027592-1).