31/5/2017

DIÁRIO CATARINENSE

DC315

 DC315A

RAUL SARTORI

Panos quentes
Precisou uma nota pública do alto comando da segurança pública em SC para acalmar os exaltados ânimos entre a Policia Militar e a Polícia Civil em Balneário Camboriú. Entre prós e contras, sobra algo que ninguém quer dizer publicamente: vaidades (e mal resolvidas), de ambos os lados. O mesmo acontece em várias outras cidades de SC, com lutas surdas e absurdas pelo poder.

Panos quentes 2
A propósito, no seminário promovido por comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa a unificação das Polícias Civil e Militar, realizado segunda-feira na Assembleia Legislativa, o coronel Sérgio Luiz Sell, representando a Associação dos Oficiais da PM-SC, afirmou que “existe uma ótima relação” entre as duas corporações, mas SC, neste momento “não carece de uma unificação por não estarem amadurecidas para essa transição”.

SITE TJ/SC

Estado condenado ao pagamento de R$ 60 mil à família de preso que se suicidou em DP
A 3ª Câmara de Direito Público do TJ manteve decisão que condenou o Estado de Santa Catarina ao pagamento de R$ 60 mil em favor de casal que perdeu filho, vítima de suicídio nas dependências de delegacia de Polícia Civil, em município do Planalto Norte, onde se encontrava preso. Consta dos autos que a vítima morreu por asfixia mecânica causada por enforcamento, após ser detido por conta de ameaça à mulher e resistência à prisão.
Sua família alega que o Estado foi omisso em cumprir seu dever de vigilância, o que causou prejuízo à integridade física do preso e, que este, se encontrava com o emocional visivelmente abalado no momento da prisão em flagrante. Para o TJ, o réu não agiu com as cautelas necessárias e omitiu-se diante do dever de zelar pela proteção física e moral do detento que estava sob sua custódia, motivo pelo qual é devida a indenização decorrente do suicídio. A perícia constatou ainda que as instalações da cela contribuíram para o evento danoso.
“Parece lógico, diante das trágicas consequências do ocorrido, que o detento não poderia ter tido acesso às barras existentes no buraco de ventilação, que deveriam ter sido fechadas com tela, impedindo o ocorrido”, explicou o desembargador Pedro Manoel Abreu, relator da matéria. Destaca-se ainda, na visão do relator, relato dos os policiais militares que efetuaram a prisão e que perceberam que a vítima aparentava estar descontrolada e, portanto, merecia atenção especial. “Nesta compreensão, é inafastável o dever do Estado indenizar os danos suportados pelos pais da vítima”, concluiu o relator. A decisão foi unânime. (Apelação cível n. 0000936-40.2011.8.24.0052).

SITE STF

Especialistas explicam papel do Judiciário na defesa da democracia e dos direitos fundamentais
O Supremo Tribunal Federal recebeu, nesta segunda-feira (29), os professores Samuel Issacharoff e Jeremy Waldron, da Faculdade de Direito da Universidade de Nova York, em conferência sobre o tema “Papel das Supremas Cortes, Legitimidade Democrática e Direitos Fundamentais”. O ministro Luís Roberto Barroso, autor do convite, lembrou que o STF tem procurado trazer expoentes do pensamento constitucional mundial para expor suas ideias na Corte – a exemplo do juiz aposentado Albie Sachs, do Tribunal Constitucional da África do Sul, do professor Michael J. Sandel, da Universidade de Harvard, e do presidente da Suprema Corte da Argentina, Ricardo Lorenzetti.
Populismo e cortes constitucionais
Samuel Issacharoff, especialista em Direito Constitucional e em questões da democracia e do sistema eleitoral, abordou a escalada do populismo no mundo e o papel das cortes constitucionais nesse contexto. Na sua avaliação, o modelo democrático surgido a partir da Europa Ocidental depois do fim da Segunda Guerra Mundial – que tem como características gerais a existência de partidos relativamente estáveis, o compromisso com o pluralismo e secularismo, a ampliação da proteção social e a abertura de mercado – vem sofrendo rupturas, com a desagregação dos partidos históricos e o surgimento de lideranças desvinculadas do sistema tradicional.
Issacharoff observa que os motivos que alimentam os movimentos populistas (má distribuição de renda, queda de salários, e mesmo a questão dos imigrantes) são temas legítimos para o debate democrático, mas o que de fato define o populismo é a hostilidade ao pluralismo, “a pretensão de que haja apenas um caminho correto”. E uma das suas consequências é o ataque às instituições, em muitos casos diante da sua própria fraqueza, com excesso de concentração de poder no Executivo.
É nesse ponto que o especialista destaca o papel mais importante e o grande desafio do Judiciário. “Quando as instituições democráticas intermediárias, como os partidos políticos, entram em colapso, o Judiciário constitucional forte surge como antídoto ao poder do Executivo”, afirma. “Os juízes se tornam figuras públicas, suas decisões se tornam assunto de interesse público”.
O resultado desse realinhamento pode ser positivo – como no caso da Inglaterra, em que a Suprema Corte decidiu que cabe ao Parlamento aprovar a saída da União Europeia (“Brexit”), e o da África do Sul, em que a Corte Suprema de Apelações autorizou a abertura de processo contra o presidente Jacob Zuma por corrupção. Mas há também “grandes fracassos”, como na Rússia. “Se as instituições são fracas, há grandes condições para insatisfação popular, na forma do desejo de se sobrepor às instituições que equilibram o poder e garantem o bem estar dos cidadãos”, diz Issacharoff. “Se os tribunais não fizerem esse papel, que, infelizmente, é o caso no momento, não vejo nenhum outro ator institucional capaz de mudar isso”.
Estado de Direito e dignidade humana
Segundo conferencista do dia, o neozelandês Jeremy Waldron procurou apresentar um contraponto “mais abstrato e mais otimista” à posição de seu colega, ao falar sobre a relação entre dignidade humana e o Estado de Direito em todos os níveis. Crítico da jurisdição constitucional, Waldron sustenta que, no Estado de Direito, a lei moderna se apresenta “como uma trama de direitos, mesmo no nível mais modesto, como no campo criminal e civil” – e todos esses níveis trazem em si o ideal igualitário da dignidade humana.
Para o jurista, o processo legislativo deve seguir uma moralidade interna regida por princípios formais – generalidade, prospectividade, clareza, estabilidade, consistência, etc. Citando Lon Fuller, ele observa que a observância desses princípios na confecção das leis é, em si mesmo, um modo de respeitar a dignidade humana. “Por isso achamos que leis secretas, retroativas ou pouco claras são um insulto às pessoas”, assinala.
Para Waldron, os tribunais não são entidades cuja tarefa é apenas a de aplicar a lei ou determinar se a lei deve ou não ser aplicada: sua atuação segue uma estrutura “litúrgica” de procedimentos que pressupõe o respeito pelo ponto de vista da pessoa cujo comportamento está sendo questionado. “Não se trata apenas de ouvir os dois lados da história, mas da possibilidade de discutir”, explica. “A lei demanda uma certa integridade, uma certa sistematicidade”.
Há casos em que o respeito à dignidade humana é questionável. “A lei pode matar, destruir pessoas, afetar sua reputação, trancá-las e jogar fora a chave. Onde está a dignidade nisso?”, questiona. No entanto, mesmo quando a lei é mais coercitiva e rígida, a coerção é limitada. “É preciso ter o compromisso de respeitar, e não mutilar, a dignidade e a capacidade daqueles que a ela estão submetidos”, ressalta. “Acredito que a lei incorpora a própria ideia do estado de Direito e o respeito pela dignidade humana, e este comprometimento está implícito na prática legal, mesmo quando essas práticas falham”, concluiu.