19/6/2017

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As três correntes do direito ao esquecimento
As posições que foram delineadas na audiência pública realizada pelo STF
Anderson Schreiber
O polêmico tema do direito ao esquecimento foi discutido em profundidade durante audiência pública realizada na segunda-feira (12/6) no Supremo Tribunal Federal, sob a presidência do Ministro Dias Toffoli. Três posições sobre o tema restaram bem delineadas:
1ª) Posição pró-informação: para os defensores desse entendimento simplesmente não existe um direito ao esquecimento. Foi a posição defendida por diversas entidades ligadas à comunicação. Seus representantes sustentaram que o direito ao esquecimento, além de não constar expressamente da legislação brasileira, não poderia ser extraído de qualquer direito fundamental, nem mesmo do direito à privacidade e à intimidade. Um direito ao esquecimento seria, ademais, contrário à memória de um povo e à própria História da sociedade. A liberdade de informação prevaleceria sempre e a priori, à semelhança do que ocorre nos Estados Unidos da América (ver New York Times Co. vs. Sullivan, entre outros). Os defensores desse posicionamento invocam, ainda, a jurisprudência mais recente do nosso Supremo Tribunal Federal, especialmente o célebre precedente das biografias não-autorizadas (ADI 4.815).
2ª) Posição pró-esquecimento: para os defensores dessa posição, o direito ao esquecimento não apenas existe, como deve preponderar sempre, como expressão do direito da pessoa humana à reserva, à intimidade e à privacidade. Na esteira da cláusula geral de tutela da dignidade da pessoa humana – valor supremo na ordem constitucional brasileira –, esses direitos prevaleceriam sobre a liberdade de informação acerca de fatos pretéritos, não-atuais. Entender o contrário seria rotular o indivíduo, aplicando “penas perpétuas” por meio da mídia e da internet. O IBCCrim – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, cujo representante defendeu essa posição, chegou a propor um prazo de cinco anos, contados do fim do cumprimento da pena, para que informações sobre condenações penais sejam “apagadas” da imprensa e da internet. Os defensores da posição pró-esquecimento amparam-se na decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, em 2013, no célebre caso da Chacina da Candelária, no qual reconheceu aquela Corte um direito ao esquecimento que definiu como ““um direito de não ser lembrado contra sua vontade” (REsp 1.334.097/RJ). Aludem, ainda, à experiência europeia, que, em contraposição à experiência norte-americana, inclina-se pela prevalência do direito ao esquecimento, como se vê na decisão da Corte de Justiça da União Europeia, que, em 2014, determinou determinado motor de buscas na internet desvinculasse e o nome do cidadão europeu Mario Costeja González de antiga notícia sobre penhora de seu imóvel.
3ª) Posição intermediária: para os defensores dessa terceira corrente, a Constituição brasileira não permite hierarquização prévia e abstrata entre liberdade de informação e privacidade (da qual o direito ao esquecimento seria um desdobramento). Figurando ambos como direitos fundamentais, não haveria outra solução tecnicamente viável que não a aplicação do método de ponderação, com vistas à obtenção do menor sacrifício possível para cada um dos interesses em colisão. Esta foi a posição defendida pelo Instituto Brasileiro de Direito Civil – IBDCivil, que, à luz da hipótese concreta subjacente à audiência pública, qual seja, a veiculação de programas de TV com relato e/ou encenação de crimes reais envolvendo pessoas ainda vivas, chegou a propor parâmetros para a ponderação, como, por exemplo, o parâmetro da fama prévia, que impõe distinguir entre vítimas que possuem outras projeções sobre a esfera pública (retratação do suicídio de Getúlio Vargas ou do assassinato de JFK, em que tende a preponderar a liberdade de informações) e pessoas que somente têm projeção pública como vítima daquele delito (em que tende a preponderar o direito da vítima de não ser reapresentada publicamente à sociedade como vítima de crime pretérito).
Independentemente da posição que se adote sobre esse tema tão candente, a audiência pública evidenciou duas grandes dificuldades que terão de ser enfrentadas pelo STF. Primeiro, o termo “direito ao esquecimento” não é o melhor: sugere um controle dos fatos, um apagar da História que, além de ser impossível e indesejável, não se coaduna com o siginificado técnico por trás da expressão, consubstanciado na tutela da identidade pessoal e do direito de toda pessoa humana de ser corretamente retratada em suas projeções públicas.
Segundo, o tema, bem ou mal posto, tangencia diversas outras questões polêmicas, como a indexação de resultados por motores de busca da internet, a tutela post mortem do direito à imagem, e assim por diante. Seja qual for a posição adotada ao final pelo STF, no caso em análise, uma coisa é certa: estaremos diante de um julgamento que será difícil de esquecer.