16 e 17/4/2016

DIÁRIO CATARINENSE

Vozes pela terra
Em Santa Catarina existem 28 terras indígenas (TIs). Em quatro delas, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) discute na Justiça a demarcação. Porém, quando o tema é apresentado como Estado x Índios, o procurador-geral do Estado, João dos Passos Martins Neto, pede correção:
– O conflito de interesses é agricultores versus índios. Não se trata de terra de propriedade do Estado, mas de áreas localizadas em território catarinense.
Se não envolve diretamente o Estado, é razão para colocar o aparato jurídico de todos os catarinenses e designar seus conceituados procuradores para defender interesses de particulares?
– Adotamos o princípio da legalidade: o Estado não é a favor do branco nem do índio, mas defende o cumprimento da Constituição Federal e a observância do processo legal que ela impõe no tratamento da questão – responde o procurador-geral.
A PGE segue um raciocínio aparentemente coerente: se a terra é do índio, é do índio; se é do agricultor, é do agricultor. Mas pondera a respeito do que considera como “princípios legais não praticados”, o que entende configurar um ato de usurpação. Aí, então, se instala um rito de Estado x União.
É o que ele avalia que ocorreu no Morro dos Cavalos, em Palhoça, na Grande Florianópolis, que, em janeiro de 2013, foi alvo de uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF).
– A ação no STF não é contra os povos indígenas, mas contra a União por ter demarcado uma área sem observar o processo legal caracterizado em uma série de descumprimentos – sustenta.
Setores ligados à defesa dos índios têm outro sentimento sobre esse sistemático comportamento jurídico da PGE. Desconfiam que, talvez pela economia catarinense ser solidificada sobre o agronegócio, o agricultor seja visto como de mais valia do que o índio, que produz basicamente para a subsistência.
– Em termos de dignidade humana, não existe nenhuma diferença entre não índios e índios – garante Martins Neto.
As 28 áreas indígenas de Santa Catarina têm uma extensão pequena se comparada com o tamanho do território estadual, que se espraia por 95 mil quilômetros quadrados. Todas as TIs equivalem a 0,8% do chão barriga-verde. Uma área total menor que o Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, na Grande Florianópolis.
O assunto também permite outro olhar e um entendimento diferente. Esse toma por base a tradição catarinense de respeitar os direitos sociais, a partir de uma política voltada à defesa da dignidade humana. Não é, então, desconfortável para o Estado agir contra uma minoritária parcela da população já tão usurpada de seus direitos?
– Nossa posição é neutra com relação a esseaspecto, nosso compromisso é com a legalidade. As pessoas acham que nós estamos do lado do agricultor e não do índio. Ou, às vezes, do índio e não do colono – argumenta o procurador-geral do Estado.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), órgão ligado à Igreja Católica, não parece convencido.
– Há um contexto de extremo preconceito e racismo. Aparentemente somos um Estado “civilizado e tolerante”, mas são vários os casos em que prefeituras e comunidades locais impediram a criação de reservas indígenas, o que nada mais era do que a compra de terras como pode fazer qualquer cidadão – observa Maria de Oliveira, integrante do Cimi.
Eunice Antunes foi a primeira mulher cacique na aldeia do Morro dos Cavalos. Deixou o cargo e hoje é coordenadora pedagógica na escola da comunidade, onde estudam 70 alunos, entre crianças, jovens e adultos. O colégio foi palco da Semana Cultural, que se encerra segunda-feira.
– Não temos o hábito em comemorar o Dia do Índio (19 de abril), mas achamos importante aproveitar o interesse das pessoas em conhecer nossas terras. Ganhamos visibilidade e muitos alunos não índios aprendem sobre o significado de coisas da nossa realidade – diz.
Verdade também que a questão não pode ser vista apenas do ponto de vista da semântica. O conflito é mais do que “em” território catarinense ou “ser” do território catarinense. Trata-se de reivindicações opostas. Quando se inicia um processo para demarcação, os índios recorrem ao direito ao território ancestral, uma garantia fundamental da Constituição porque a terra é parte da essência da vida deles.
Por outro lado, os agricultores se sentem expulsos de uma área que, em muitos casos, algum dia foi comprada por eles, inclusive com títulos registrados em cartório. Como resolver o impasse?
O procurador-geral do Estado aponta uma saída além da demarcação: a instituição de reserva indígena. Na demarcação, a União, depois do processo administrativo, reconhece a terra indígena tradicional e a declara em nome da União. Se estiver ocupada por não indígenas, que são considerados intrusos, eles passam pelo processo de desintrusão, uma espécie de expulsão da área. Nesse caso, não há direito à indenização pela terra. Mas sim a benfeitorias, como casas, galpões, açudes.
Não é por falta de lei que os índios catarinenses são relegados. A Constituição Estadual tem artigo e capítulos que tratam das questões indígenas. Um avanço se comparado com outros Estados. O Acre, por exemplo, que tem até índios isolados na Floresta Amazônica, não faz referência a esses povos. Mas não é de hoje que os governos catarinenses são considerados, no mínimo, omissos.
Vilson Kleinübing governou Santa Catarina entre os anos de 1991 e 1994. Não era a favor da demarcação de terras, mas também não se colocava efetivamente contrário. Se não levou ao pé da letra o que diz a Constituição Estadual, sabia escutar os índios, a quem sempre recebia quando era solicitado.
– Ele tinha a noção de que os índios de Santa Catarina eram também catarinenses. Essa é uma noção que está faltando hoje em dia – diz a procuradora da República em Santa Catarina Analucia Hartmann.
Com 23 anos de atuação no Estado, a procuradora é uma das maiores conhecedoras da causa indígena em Santa Catarina. Para ela, cada um dos governos possui a própria forma de lidar com o assunto. Mas nos últimos tempos a política indígena estadual sofreu um revés.
Foi o governo Paulo Afonso (1995-1999), na opinião da procuradora, o que se demonstrou mais sensível à questão a ponto de determinar que o secretário de Justiça da época fosse visitar todas as terras indígenas catarinenses para conhecer as condições de vida e as demandas dos povos.
Cita também o segundo mandato de Esperidião Amin (1999-2003). Mesmo contrário a algumas demarcações, como a regularização da área Xokleng, protagonizou avanços importantes na infraestrutura das áreas. Uma delas, uma grande escola em Ipuaçu, em terra Kaingang, a primeira de 2o grau (hoje, Ensino Médio) em terra indígena; a colocação dos indígenas no programa troca-troca de sementes do governo do Estado (sem intermediação da Funai) e a construção da escola de Morro dos Cavalos, reconhecendo que aquela terra é dos Guarani. O governo do Estado pediu recurso federal para construir o colégio e reconheceu que se tratava de uma área indígena, argumento que inclusive levou para o Tribunal de Contas do Estado (TCE).
– O governador Esperidião Amin discutia algumas áreas, o que eu acho plenamente legítimo, pois o dirigente político tem que saber o que está acontecendo com a questão fundiária no Estado. Hoje, movimentam a máquina, como no caso do Morro dos Cavalos, para defender alguns catarinenses contra outros catarinenses. Qual a legitimidade? – questiona a procuradora da República em Santa Catarina.
A administração Luiz Henrique da Silveira (PMDB)também não deixou saudade para a causa indígena. Foi inclusive na era LHS que cresceu a atuação do hoje deputado federal Valdir Colatto (PMDB), sub-relator da comissão parlamentar de inquérito (CPI) que investiga possíveis irregularidades na Funai e no Incra.
Acusado pelo movimento em defesa dos índios de estar à frente dos interesses do agronegócio, madeireiras e grandes proprietários, o parlamentar se mantém implacável na defesa de suas bandeiras. Para ele, obstáculos da Funai dificultam os projetos no Estado, com custos extras que extrapolam orçamentos.
– A pauta que norteia a ação da CPI é garantir o direito à propriedade àqueles que a possuem, além de pensar ações de cidadania aos indígenas que os tirem da situação da miserabilidade.
Que seja. Enquanto isso, que os matos cresçam.

COLUNA RAÚL SARTORI

Pensão vitalícia
Em liminar, o Supremo Tribunal Federal mandou parar o pagamento de pensão vitalícia a ex-governadores do Pará. A decisão abre precedentes para que outros estados, inclusive SC, também extingam as mamatas em forma de pensões para o resto de suas vidas, pagas pelo contribuinte.

SITE MPE/SC

Estado deve abrir turma noturna de terceiro ano do ensino médio no Município de Descanso
A determinação, obtida liminarmente pela Promotoria de Justiça de Descanso, define que o Estado conceda as matrículas aos alunos da Escola de Educação Básica Everardo Backheuser que necessitam estudar a noite.
O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), obteve medida liminar para obrigar o Estado de Santa Catarina Escola a abrir matrículas na Escola de Educação Básica Everardo Backheuser, em Descanso, para turma de terceiro ano do ensino médio no período noturno.
A ação civil pública da Promotoria de Justiça de Descanso foi aberta a partir da necessidade de 15 alunos que tiveram a matrícula negada na maior unidade escolar do Município de Descanso, que deixou de ofertar o ensino médio noturno.
 No procedimento instaurado, a direção da escola informou ao Ministério Público que tem interesse, condições e recursos humanos para oferecer a turma, mas não obteve autorização da Gerência Regional de Educação de São Miguel do Oeste, à qual está submetida.
Com base no Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê o dever do Estado em ofertar ensino noturno regular adequado às condições dos estudantes, o Ministério Público ingressou com o pedido da liminar para garantir, provisoriamente, o direito de educação aos jovens.
Na ação, o Promotor de Justiça Pablo Inglêz Sinhori descreve que mesmo trabalhando ao longo do dia, os adolescentes ainda buscam a continuidade nos estudos em horário alternativo. “Porém, estão encontrando nesse caminho a ineficiência da atuação estatal que, ao invés de zelar pela educação dos infantes e possibilitar-lhes o labor e os estudos, negam a abertura de turma noturna no terceiro ano do ensino médio aos adolescentes e aos jovens¿, considerou o Promotor de Justiça.
Diante dos fatos apresentados pelo MPSC, o Juízo da Vara Única da Comarca de Descanso, concedeu a medida liminar para determinar que o Estado e a Gerência Regional de Educação de São Miguel do Oeste reabram, em 10 dias, as matrículas ao terceiro ano do ensino médio noturno na escola Everardo Backheuser, sob pena de multa diária de R$ 150,00, em favor do Fundo para a Infância e Adolescência (FIA) do Município de Descanso, a ser aplicada à pessoa do Gerente.