13/8/2014

DIÁRIO CATARINENSE

 José Eduardo Cardozo – “Há conflito de interesses e o Judiciário vai intervir”
Cauteloso diante do que admite ser um conflito de interesses em Morro dos Cavalos, José Eduardo Cardozo diz que a decisão sobre a legalidade do processo de reconhecimento da terra indígena será tomada pelo poder Judiciário. Ele conhece as supostas irregularidades nos laudos antropológicos apresentadas pelo Diário Catarinense na série de reportagens Terra Contestada e admite que o governo federal trabalha para aprimorar os processos de demarcação no país. Confira os principais trechos da entrevista concedida ao DC na tarde de ontem em Brasília.
 
Diário Catarinense – Na segunda-feira a presidente Dilma Rousseff afirmou que se houver irregularidade no caso da demarcação de Morro dos Cavalos o processo terá de ser refeito e os responsáveis punidos. O ministério tem alguma investigação sobre o caso?
José Eduardo Cardozo – Essa é uma regra que vale não só para Morro dos Cavalos, mas para qualquer processo de demarcação em tramitação no Ministério da Justiça. No caso de Morro dos Cavalos, há uma ação proposta pelo governo de Santa Catarina pleiteando a anulação da portaria do Ministério da Justiça.
 
DC – Então hoje o ministério não investiga possíveis irregularidades no caso?
Cardozo – Não investiga. Houve uma impugnação administrativa feita ao Ministério da Justiça, que foi analisada pela Advocacia-Geral da União (AGU), que entendeu que não havia ilegalidade formal no processo de Morro dos Cavalos. Porém, essa questão está judicializada e vamos aguardar a decisão final.
 
DC – Em 1991, havia 14 índios em Morro dos Cavalos e a demarcação proposta era de 16,4 hectares. Atualmente, são 200 indígenas que pleiteiam 1,9 mil hectares. É normal essa diferença? O governo tem posição?
Cardozo – A Constituição diz que as terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas pertencem à União. A definição do que é tradicionalmente indígena deve ser feita por estudos de antropólogos designados pela Funai. Não se trata de posição política.
 
DC – É normal a mesma antropóloga solicitar e realizar o estudo de uma demarcação? O ideal seria que pessoas diferentes executassem o trabalho?
Cardozo – Isso foi feito na década de 90. Naquele momento você não tinha uma situação de órgãos da Funai como nós temos hoje, e a justificativa que se dá é que como era uma estudiosa do tema, fez o pedido e depois foi designada para o laudo. Em princípio, não tem regra legal infringida, mas vamos aguardar o pronunciamento final do Judiciário.
 
DC – Com recursos de compensação, a Funai comprou duas áreas e criou novas aldeias, mas a população de Morro dos Cavalos continua crescendo. Trata-se de uma estratégia para obter novas indenizações?
Cardozo – Quando você faz uma obra e você faz algum tipo de compensação, é uma realidade. Quando há um estudo antropológico que diz que uma terra é tradicionalmente indígena nos termos da Constituição, isso é outra realidade. E elas não são excludentes. Agora, é evidente que você tem aí um conflito de interesses. O Judiciário vai ser chamado a intervir dentro daquela decisão que lhe parecer melhor.
 
DC – O senhor tem expectativa sobre a decisão?
Cardozo – Não, porque essas ações demoram muito. É por isso que temos tido uma ação em todo o Brasil de fazer mesas de diálogos para buscar a mediação dos conflitos.
 
DC – Hoje o Ministério da Justiça toma mais cuidado para que não haja conflitos nos laudos antropológicos?
Cardozo – Discutimos uma portaria do Ministério da Justiça com objetivo de aperfeiçoar o processo de demarcação, que ainda passa por questões que precisam ser melhoradas no ponto de vista da transparência, da segurança jurídica e de balizamentos normativos que evitariam algumas dessas controvérsias que nós herdamos no passado.
 
Funai deixa de esclarecer destino de R$ 11 milhões
Permanece sem esclarecimento o destino dos mais de R$ 11 milhões que foram repassados à Fundação Nacional do Índio (Funai) como compensação por obras de infraestrutura (em convênios com o DNIT, pela duplicação da BR-101, e com a Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil). Em entrevista coletiva na sede da Funai em Santa Catarina, na manhã de ontem, o coordenador regional João Maurício Farias afirmou que o órgão federal tem controle sobre os recursos recebidos, mas não explicou onde e como foi aplicado o dinheiro que deveria ter sido direcionado aos grupos indígenas.
Segundo João Maurício Farias, a entrevista foi convocada pela Comissão Catarinense Guarani Nhemonguetá. Mas foi o próprio coordenador regional da fundação quem conduziu a coletiva de imprensa, além de ter feito um longo pronunciamento que antecedeu a fala das quatro lideranças indígenas presentes na sede da Funai – entre eles a cacique de Morro dos Cavalos, Eunice Antunes. A entrevista ocorreu exatamente um dia após a presidente da República, Dilma Rousseff, afirmar que não será tolerante com demarcações irregulares e que, se isso for comprovado no caso Morro dos Cavalos, haverá punição aos responsáveis.
 
Coordenador nega que migração é estimulada
João Maurício Farias negou a interferência do órgão federal na migração de índios para o litoral do Estado. Questionado sobre o relato de um indígena ouvido pela reportagem, que migrou para o litoral nos anos 90 e disse ter viajado em caminhão fretado pela Funai, o coordenador do órgão afirmou desconhecer o caso e respondeu que o índio “pode ter entendido errado a pergunta, devido a uma complicação com o português”.
– Existe uma mobilidade, o que é bom, faz parte da dinâmica do povo guarani – argumenta Farias.
Ele criticou a série de reportagens Terra Contestada, publicada na última semana pelo Diário Catarinense, mas não convidou o DC para a entrevista coletiva, que serviria como resposta às denúncias feitas sobre a forma como se deu o processo de demarcação conduzido a partir das teorias de uma única antropóloga (Maria Inês Ladeira, da ONG Centro de Trabalho Indigenista, solicitou o processo de demarcação de Morro dos Cavalos e depois foi contratada pela Funai para elaborar os estudos). A reportagem também abordou a relação do órgão federal com a ONG em que a pesquisadora atua e o destino ainda não explicado da quantia recebida em indenizações.
Pelo menos três convênios, que geraram o repasse de recursos, foram firmados com a Funai. Todos estabelecidos antes de a área que fica às margens da rodovia, cerca de 30 quilômetros ao sul de Florianópolis, ser reconhecida pelo Ministério da Justiça como terra indígena (o que aconteceu em 2008 e ainda depende de homologação da Presidência da República para ser oficializado).
Na entrevista de ontem, o coordenador regional da Funai não detalhou a aplicação do dinheiro de nenhum dos convênios. Disse apenas que até 2015 (mais de uma década após a Funai receber o último repasse) o valor total terá sido integralmente investido. Segundo ele, serão construídas novas casas e uma escola indígena.
O Diário Catarinense tentou desde janeiro que a Funai esclarecesse o destino dos mais de R$ 11 milhões recebidos pelas compensações. Em documento oficial, obtido pela reportagem via Lei de Acesso à Informação, a fundação disse que só poderia fornecer dados a partir de 2005 e se limitou a relacionar valores, sem apontar a aplicação.
 
CTI emite nota sobre reportagens
Após a publicação da série Terra Contestada, a organização não governamental Centro de Trabalho Indigenista (CTI), ouvida na reportagem, emitiu nota de esclarecimento sobre o processo de demarcação da terra indígena Morro dos Cavalos. O documento destaca a qualificação da antropóloga Maria Inês Ladeira quanto ao trabalho que realiza com os grupos guaranis e afirma ser este o único motivo para que a Funai a tenha contratado para elaborar os estudos.
Por outro lado, critica o antropólogo Edward Luz – autor de um laudo técnico contratado pela Fundação do Meio Ambiente (Fatma), que apresenta contestações aos estudos de Maria Inês. Segundo a nota, o antropólogo “nunca publicou nenhum trabalho acadêmico sobre o povo guarani”. O CTI, porém, se confunde ao criticar a publicação do laudo. No documento, a ONG cita que o Diário Catarinense mentiu ao informar que o laudo constava na ação civil movida pelo governo de Santa Catarina no Supremo Tribunal Federal (STF) para anular o processo de demarcação.
A reportagem mostrou que o laudo antropológico foi anexado pela Fatma na ação que tramita na Justiça Federal em Santa Catarina e que também discute a demarcação da terra indígena.São dois processos diferentes.
 
Falta de peritos atrasa caso Titon
Instituto Geral de Perícias (IGP) solicitou mais 90 dias à Justiça para terminar laudo telefônico
A falta de peritos em Santa Catarina, conforme mostrou o DC em reportagem na terça-feira, é um dos motivos que pode emperrar o andamento na Justiça do inquérito da Operação Fundo do Poço, investigação de grande repercussão e que gerou o afastamento do então presidente da Assembleia Legislativa Romildo Titon (PMDB).
O déficit de peritos no IGP, que se arrasta há anos e apenas em 2015 deverá ser amenizado com a promessa pela Secretaria de Segurança Pública (SSP) de concurso público, consta em um despacho da última segunda-feira do relator do caso, desembargador José Trindade dos Santos.
Trata-se de uma perícia que ainda não foi feita sobre as escutas telefônicas do inquérito e é considerada fundamental pela defesa dos indiciados para o julgamento da denúncia do Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC) contra 46 suspeitos de integrar uma quadrilha especializada em fraudar licitações.
O próprio IGP pediu à Justiça mais 90 dias com o argumento da falta de peritos. O desembargador concedeu mais 20 dias.
 

VISOR

Vida real
Repercute no meio jurídico o recente divórcio de conhecido casal de advogados de Florianópolis. Suposto golpe financeiro, retenção de honorários, boletins de ocorrência por injúrias, difamações, violência psicológica e patrimonial, traição com estagiária e tentativa de captação de clientela são ingredientes do imbróglio. O curioso é que os próprios, pouco tempo atrás, deram uma festa de casamento à la revista Caras, prestigiada por expressivo número de magistrados.
 
Vistoria imediata
O juiz Luiz Antônio Fornerolli, da 1ª Vara da Fazenda Pública, concedeu liminar à ação movida pelo Ministério Público Estadual determinando a imediata retomada dos serviços técnicos para inspeções detalhadas das fundações imersas e das estruturas das pontes Colombo Salles e Pedro Ivo Campos. A Justiça também fixou prazo de 120 dias para que o Deinfra apresente em juízo a íntegra do estudo e estipulou uma série de medidas a serem tomadas nos próximos 30 dias para garantir as mínimas condições de segurança nas passarelas.
 

MOACIR PEREIRA

Curtas
Será lançado no dia 25 de agosto, na Associação dos Magistrados Catarinenses, o livro Ata Notarial: prova pré-constituída, segura e célere, do desembargador aposentado Jaime Vicari e de sua filha Carolina Fogaça Vicari.

 

JORNAL NOTÍCIAS DO DIA

Pedido de advogado de Titon é manobra, segundo parecer de procuradores
Segundo o MP, não há motivos para retirar do caso o relator da denúncia, José Trindade dos Santos
Veja mais em:
http://ndonline.com.br/florianopolis/noticias/190250-pedido-de-titon-e-manobra-de-defesa-diz-mp-sc.html
 

COLUNA PRISCO PARAÍSO (AN)

Batismo
O auditório da OAB-SC já tem nome. Passou a chamar-se Túlio César Gondin, em homenagem ao ilustre advogado, falecido em 2003 aos 74 anos. O homenageado exerceu a advocacia por 50 anos, defendendo inclusive presos políticos durante a ditadura militar. Ministra do CNJ, Gisela Gondin Ramos, filha de Túlio, compara o pai ao jurista Sobral Pinto.
 

SITE OAB/SC

OAB/SC ingressa com ação civil pública para garantir direitos de segurado do INSS
A OAB/SC ingressou nesta segunda-feira (11) com ação civil pública na Justiça Federal requerendo o cumprimento de duas garantias fundamentais ao segurado que tem o benefício negado no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS): a interposição de recurso e o acesso aos autos do processo administrativo.
Conforme sustenta o documento, o INSS dificulta o acesso às informações e aos motivos da negativa do benefício e exige do segurado um agendamento prévio que, em muitas, vezes ultrapassa o prazo previsto em lei para o recurso. O sistema operacional do órgão, o Dataprev, também impede o agendamento de dois serviços simultâneos, o que faz com que o aposentado tenha que optar pelo recurso ou pelo acesso aos autos.
Por meio da ação, a Seccional pede que a Justiça conceda tutela antecipada e determine ao INSS o agendamento simultâneo de ambos os serviços. Pede ainda que o prazo de 30 dias para interposição do recurso conte a partir da data de acesso ao processo – e não da data de ciência do segurado no momento da negativa do benefício.
A ação decorre de denúncias formuladas pelos próprios advogados e foi elaborada pela Comissão de Seguridade Social e Previdência Complementar. O email seguridade@oab-sc.org.br, criado no ano passado, ainda está aberto para receber novas denúncias. Segundo a presidente da Comissão, Gisele Kravchychyn, todos as denúncias recebidas neste email geram um processo administrativo, para o qual é designado relator para apuração dos fatos e a adoção de medidas para solucionar os problemas encontrados pelos advogados.
 

CONSULTOR JURÍDICO

Rejeitada ação que queria suspender implantação do processo eletrônico
A ausência de ameaça a direito líquido e certo fez a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, negar tentativa de cassação da norma do Conselho Nacional de Justiça que implantou o Processo Judicial Eletrônico (PJe). O pedido havia sido apresentado em abril pela seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil e pela Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp).
Os autores alegavam que a Resolução 185/2013 violaria a Constituição Federal ao vedar o desenvolvimento de processo eletrônico diferente do estabelecido pelo CNJ. Segundo as entidades, os tribunais devem ter autonomia e compete aos estados e à União legislar sobre procedimentos em matéria processual.
Como o texto fixava prazo de 120 dias (a partir de dezembro de 2013) para as cortes apresentarem cronogramas de implementação do sistema, a OAB-SP e a Aasp avaliavam que era necessário suspender a medida.
De acordo com a relatora, os autores somente demonstraram “pretensão voltada ao reconhecimento da inconstitucionalidade de resolução do CNJ”. A ministra aplicou a Súmula 266 do STF, segundo a qual “não cabe Mandado de Segurança contra lei em tese”, e negou a continuidade da tramitação do processo.
 

SITE MIGALHAS

PEC proíbe atuação de advogados e procuradores públicos na advocacia privada
Esse exercício concomitante é vedado no âmbito da AGU, mas permitido em alguns estados e municípios.
O senador Jorge Viana apresentou proposta de emenda à Constituição para proibir a atuação de advogados e procuradores públicos na advocacia privada (PEC 26/14). Hoje, esse exercício concomitante é vedado no âmbito da AGU, mas permitido em alguns estados e municípios.
A PEC 26 acrescenta o art. 135-A à CF para vedar o exercício da advocacia privada a todos os servidores da advocacia pública, em esfera federal, estadual e municipal, tanto no Executivo quanto no Legislativo (incluídos os tribunais de contas).
Ao justificar a proposta, Jorge Viana diz que “pelo fato de serem os advogados e procuradores públicos detentores de informações estratégicas, necessárias à defesa judicial, extrajudicial, consultoria e assessoramento jurídico aos chefes dos Poderes Executivos de todos os entes federados”, bem como do Poder Legislativo.
Viana questiona a autorização à prática privada dada por alguns estados e municípios, bem como a possibilidade aberta, conforme interpretação recente da AGU, a advogados e procuradores federais em licença. “A possibilidade gera, como consequência indesejada, a transferência e a apropriação de informações públicas estratégicas por interesses privados contra o próprio Estado, em sentido lato, o que reafirma a incompatibilidade dessa dupla atuação e constitui uma clara afronta ao princípio da moralidade, baliza essencial da atuação da administração pública”.