DIÁRIO CATARINENSE ON LINE E JORNAL HORA DE SC (10/4/2018)

STF oficia Ministério da Justiça sobre revisão de demarcação de terra indígena
Enquanto o processo movido pelo Estado contra os índios avança, os guaranis do Morro dos Cavalos lançaram nesta segunda-feira uma campanha pela “homologação da T.I. Morro dos Cavalos”
Leonardo Thomé
No mês do Índio, o impasse entre o Governo de Santa Catarina e os guaranis que vivem na Terra Indígena (TI) Morro dos Cavalos, em Palhoça, ganha um novo capítulo da disputa pela terra nos tribunais. Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e relator da ação proposta pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE) que pede a anulação do ato demarcatório, oficiou o Ministério da Justiça para que aprecie o pedido de revisão feito pela PGE em 2013. Moraes também pediu uma série de documentos para juntar ao processo que, em resumo, visa anular a portaria da União que demarcou administrativamente 1.988 hectares (perímetro de 31 quilômetros) da TI em 2008. A portaria, entretanto, ainda não foi homologada em definitivo pela Presidência da República. Enquanto o processo movido pelo Estado contra os índios avança, os guaranis do Morro dos Cavalos lançaram nesta segunda-feira uma campanha pela “homologação da T.I. Morro dos Cavalos”. Quem participou do ato foi a procuradora da República Analucia Hartmann, autora de outra ação, também nas mãos do ministro Moraes, que pleiteia liminarmente a homologação definitiva da Terra Indígena, processo que está à espera de despacho no gabinete da Presidência da República há 10 anos. Analucia, que acompanha a questão há anos, disse estar nesse momento mais preocupada em cobrar das autoridades a homologação da TI Morro dos Cavalos. Sobre o pedido do Estado para anular a demarcação, ela considera haver elementos de sobra para derrubar as pretensões da PGE.
— A ação da PGE é muito específica e diz respeito a um litígio entre o Estado membro e a União. A União quer demarcar, o Estado membro é contra. Nesse caso, eu acho que já poderia ter uma decisão no STF, até pela ilegitimidade do Estado. Eu já coloquei que nessa ação o Estado está escolhendo uma parte de sua população, e desde quando o Estado, já que não são terras do Estado, podem escolher entre as populações, porque os índios também são catarinenses — destaca Analucia, que expõe o desejo dos indígenas em ver a questão resolvida, bem como que o STF coloque o assunto na pauta e “afastem os argumentos do Estado e mantenham a decisão em primeiro grau” pela manutenção da demarcação em 1.988 hectares.
O procurador-geral do Estado, Ricardo Della Giustina, destaca como positiva a decisão do STF. Afirma que ela “privilegia uma tentativa de solução administrativa para a controvérsia, razão pela qual a Procuradoria Geral do Estado pedirá audiência com o ministro da Justiça, para buscar uma saída que garanta segurança jurídica para a região”.
Estado entende que não havia índios na região em 1988; União e MPF discordam
Conforme ofício do ministro Moraes, a manifestação do Ministério da Justiça sobre o pedido de revisão deverá levar em consideração os critérios de demarcação de terras indígenas definidos pelo Supremo no caso da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, julgado em 2008, os quais também foram incorporados no parecer Nº 0001/2017, da Advocacia Geral da União. Na prática, isso significa que deve ser observada a tese do marco temporal, segundo a qual somente pode ser considerada terra indígena aquelas que, na data da promulgação da Constituição Federal de 1988, já eram tradicionalmente ocupadas por comunidades indígenas.
Para Analucia, essa questão já foi provada exaustivamente nos autos e “não é um problema”, pois no processo demarcatório existem inúmeros provas da ocupação indígena na região muitas antes da promulgação da Constituição de 1988. Mesmo entendimento tem o subprocurador geral da República, Rogério Navarro, que participou de audiência pública no Senado em novembro para tratar do assunto, e afirmou que a TI Morro dos Cavalos “é uma terra que goza de presunção de legitimidade pela demarcação”. Ele diz que o índio “é um protetor do meio ambiente” e cita “interesses minerais” na região.
— Laudos antropológicos garantem a ocupação das terras pelos indígenas bem antes de 1988. E não se pode falar em marco temporal, mas sim em marcos temporais, tanto que quando da criação do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, em 1975, já havia documentos da presença indígena — destacou na ocasião.
No entanto, segundo a tese defendida pela PGE na ação, a presença de índios da etnia Guarani Mbyá no Morro dos Cavalos, “conforme evidenciado em estudo antropológico da própria Funai”, ocorreu apenas na década de 1990, razão pela qual “essa área não preencheria o requisito legal para que ocorra a demarcação da área do Morro dos Cavalos como terra indígena”.
MPF oficiou Polícia Civil sobre investigação de ataque a cacica do Morro dos Cavalos
Uma série de ataques contra aldeias guaranis no Morro dos Cavalos, tornadas públicas em novembro de 2017, seguem ocorrendo, em especial aos fins de semana, revela a procuradora Analucia Hartmann.
Um desses casos, o mais grave registrado até o momento, foi as agressões sofridas pela cacica Ivete de Souza, 59 anos, atacada a golpes de facão em 2 de novembro do ano passado dentro de sua própria casa na aldeia Tekoá Yakã Porã (Rio Bonito). Ivete teve a mão esquerda decepada com os golpes e permaneceu por mais de 20 dias internada no Hospital Regional, em São José.
Um inquérito foi instaurado pela Polícia Civil, sob o comando da delegada Eliane Chaves. O documento, em segredo de Justiça, ainda não foi concluído e nenhuma pessoa foi indiciada. O promotor Alexandre Carrinho Muniz, da 8ª Promotoria de Justiça de Palhoça, devolveu os autos à delegada em 2017 pedindo novas diligências na tentativa de esclarecer o crime, que inicialmente tinha como autores alguns menores de idade. Desde então, os autos não retornaram ao MP e permanecem com a Polícia Civil. A reportagem não localizou a delegada Eliane Chaves para falar sobre o assunto.
A procuradora Analucia, que também acompanha a investigação do ataque a cacica, diz que a Polícia Federal não assumiu o caso porque a investigação envolve menores. Afirma que “ainda não há comprovação de que há mandantes interessados na questão fundiária” e se houver o MPF “pedirá o deslocamento das investigações para a Polícia Federal”.
— Encaminhei um ofício há 15 dias para a Polícia Civil pedindo para eles agilizarem essa investigação — conta Analucia.