Diário Catarinense (8/7/2015)

Artigo – A judicialização da saúde, por Daniel Cardoso*
Como não poderia deixar de ser, dada a relevância do bem a ser protegido, o processo de judicialização do acesso à saúde provoca intensa discussão em toda a sociedade. Ao acompanhar a produção intelectual sobre o tema, parece-me que uma reflexão passa ao largo diante de todo esse debate: em que momento a judicialização deixa de ser uma alternativa para a solução e passa a ser parte do problema?
A Secretaria de Estado da Saúde gastou, só no ano de 2014, mais de R$ 150 milhões no cumprimento de ordens proferidas em demandas judiciais de saúde – o equivalente a quase 10% do orçamento disponível para investimentos em políticas públicas voltadas à população catarinense. A se confirmar a curva de crescimento da judicialização, em 2015 deveremos atingir os R$ 200 milhões. Em paralelo, há o dado de que o custo de atendimento de uma demanda pela via judicial chega a ser 10 vezes mais caro do que quando feito de forma planejada e dentro da organização administrativa.
De modo que outra conclusão não há, se não a de que o aprofundamento da judicialização, da forma como atualmente está posta, longe de resolver o problema, contribui para o seu agravamento, na medida em que prestigia o atendimento individualizado em detrimento do coletivo.
Não se pretende aqui, e que isso fique claro, questionar o alcance da garantia fundamental à inafastabilidade da jurisdição na forma constitucionalmente assegurada. O que se pretende, de modo muito distinto, é investigar a própria sustentabilidade de um sistema que se propõe a analisar e resolver individualmente cada demanda, como se dissociada de um contexto de acesso universal e igualitário, e em detrimento de toda a organização do complexo SUS.
A solução do problema passa pelo reconhecimento da organização administrativa, evitando-se, com isso, o ajuizamento de demandas cujo objeto poderia ser atendido dentro do sistema. A qualificação da judicialização é imperiosa, devendo se combater o desprestígio e a sistemática desconsideração das opções feitas pelos gestores em prol da coletividade.

*Procurador do Estado e consultor jurídico da Secretaria de Estado da Saúde