Pela atual legislação, a pessoa física não é obrigada a pagar contribuição previdenciária patronal quando remunera diretamente um médico. Já nos planos de saúde, a operadora que paga o médico por um atendimento também não recolhe o tributo, já que atua apenas como intermediária, segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Esta argumentação foi utilizada, esta semana, pela Procuradoria Geral do Estado (PGE) para contestar uma dívida de cerca de R$ 70 milhões cobrada pela Receita Federal ao Estado de Santa Catarina e à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SC), pela falta de recolhimento da contribuição previdenciária no repasse de verba para a Defensoria Dativa, sistema que disponibilizava advogados para pessoas carentes até 2012.
A Defensoria Dativa em Santa Catarina funcionava da seguinte forma: o juiz nomeava um advogado, previamente cadastrado pela OAB, para prestar assistência jurídica a um cidadão sem recursos. Posteriormente, a Justiça expedia certidões pelo serviço prestado e o Estado repassava à Ordem os valores correspondentes, para pagamento dos profissionais. Dessa forma, o Estado era um intermediário pagador e estaria desobrigado de recolher contribuição previdenciária patronal.
Para a PGE, existe uma clara analogia entre o Estado e a operadora de um plano de saúde. “A estrutura jurídica que envolve os dois casos é rigorosamente idêntica. Mudam, apenas, os atores. O paciente cede espaço ao hipossuficiente. O médico, ao advogado dativo. E o plano de saúde, ao Estado de Santa Catarina e à OAB/SC. Por isso, o tratamento legal deve ser o mesmo”, argumenta a PGE.
O Estado e a OAB/SC foram notificados pela Receita Federal em dezembro. A Receita sustentou que contribuintes individuais (advogados) prestaram serviços à OAB/SC e ao Estado de Santa Catarina. Por isso, haveria incidência da contribuição previdenciária.
Na contestação, a PGE pede o cancelamento dos autos de infração, que originaram três processos administrativos no órgão fiscalizador, no valor de aproximadamente R$ 70 milhões. “Não se pode falar em contribuição previdenciária quando o pagamento é efetuado por pessoa ou entidade intermediária, não destinatária do serviço prestado. Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência pacífica após ter apreciado inúmeras demandas envolvendo planos de saúde”, explica o procurador-geral do Estado, João dos Passos Martins Neto.
Na notificação, a própria Receita deixa claro que o Estado e a OAB nunca foram destinatários dos serviços prestados pelos advogados dativos. “Os profissionais assistiram, unicamente, os hipossuficientes (terceiros) – pessoas carentes de recursos que efetivamente beneficiaram-se dos trabalhos advocatícios. O "contribuinte" (Estado), por sua vez, apenas intermediou o pagamento”, afirma Martins Neto, enfatizando que a notificação não apenas viola a legislação, como também onera e dificulta a prestação de função social prevista na Constituição: o acesso integral e igualitário à Justiça.
“Estão tributando a caridade”, enfatiza o procurador-geral. “O Estado não está remunerando o advogado dativo por um serviço recebido, mas subvencionando os necessitados, em ato de solidariedade social”.
Por outro lado, Martins Neto aponta para a falta de razoabilidade na aplicação de multa de altíssimo valor em virtude de mudança de interpretação do órgão fazendário. “Durante 40 anos o Estado de Santa Catarina, inicialmente, e depois a OAB/SC, vinham remunerando os defensores dativos sem qualquer dúvida sobre a desobrigação de pagar contribuição previdenciária. Não pode, repentinamente, a Fazenda Federal acrescentar à notificação multa exorbitante como se o Estado e a OAB tivessem deixado, de modo contumaz, de cumprir suas obrigações tributárias”.
A defesa do Estado foi feita em conjunto pelos procuradores do Estado Alisson de Bom de Souza, Bruno de Macedo Dias e Jair Augusto Scrocaro.